Foi publicada em agosto último, a
designada lei-quadro das entidades reguladoras. A maior parte da população
desconhece não só este facto, mas também e sobretudo o que são e o que fazem as
entidades reguladoras.
De facto, muitos nunca ouviram
falar da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), ou da Autoridade
Nacional de Comunicações (ANACOM) ou ainda do Instituto Nacional de Aviação
Civil (INAC), para apenas referir três exemplos de um universo que comporta
mais de uma dezena de entidades.
Estas entidades fazem parte da
nossa administração pública, mas com a categoria de “entidades administrativas
independentes”, competindo-lhes designadamente a regulação da atividade
económica, a defesa dos serviços de interesse geral, a proteção dos direitos e
interesses dos consumidores e a promoção e defesa da concorrência dos setores
privado, público, cooperativo e social. Por exemplo, é a ERSE que coordena todo
o processo de passagem para um mercado liberalizado de energia, ou a ANACOM foi a entidade que geriu todo o
processo de instalação da TDT (Televisão Digital Terrestre), ou ainda que é a
ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) que controla a
qualidade da água que chega a casa dos consumidores.
O aparecimento destas entidades
entre nós é relativamente recente, corresponde no fundo à aplicação de uma
visão neo-liberalista dos mercados, com origem nos EUA e que na Europa, com a
ascensão ao poder de políticos como Margaret Tatcher e Helmut Kohl, encontrou o
suporte político para frutificar.
De facto e de uma forma muito
simplista, podemos dizer que o objetivo foi retirar o Estado da economia, no
sentido de este deixar de ser um Estado provedor de serviços essenciais ao
cidadão, como aconteceu durante a maior parte do século XX (recorde-se entre
nós o aparecimento de empresas como os CTT, a CP, a EDP ou os extintos TLP),
para passar a um Estado Regulador, de modo a garantir a eficiência e a leal
concorrência dos mercados.
Esta política foi ainda reforçada
pelas instituições europeias, designadamente a Comissão Europeia, podendo
ver-se em muitos aspetos deste processo, uma europeização ou federalização da
administração pública dos Estados-membros, justamente por via da criação destas
entidades, já que é em Directivas e Regulamentos comunitários que vamos
encontrar muitos dos princípios e regras que enformam o funcionamento destas
entidades que não integram a administração directa do Estado (aí temos por ex.
as direções-gerais) ou a administração indirecta (onde pontificam os institutos
públicos), mas que constituem uma nova tipologia.
De forma a garantir a sua
independência, a lei garante que estas entidades disponham de autonomia
administrativa e financeira (o seu financiamento é feito maioritariamente através
de taxas cobradas às entidades reguladas), autonomia de gestão, independência
orgânica, funcional e técnica (por ex., a administração destas entidades embora
proposta e designada pelo Governo, requer parecer da Comissão de Recrutamento e
Seleção da Administração Pública e audição na Assembleia da República). Também
o mandato destas administrações, irrenovável, tem a duração de seis anos,
desencontrado com a duração dos mandatos dos órgãos de soberania e quando os
seus membros cessam funções, entram num período de “quarentena”, isto é obriga
a que num período de dois anos não possam prestar funções nas entidades
reguladas. Estas e outras limitações visam reforçar a sua independência (evitar
a “teoria da captura” por parte dos poderes políticos, corporativos e
económicos).
Estas entidades possuem vastos
poderes de regulação, regulamentação, supervisão, fiscalização e sancionatórios
em relação às entidades reguladas. Devem ainda garantir a proteção dos direitos
e interesses dos consumidores.
Com tantos poderes resta mesmo
uma questão que se prende com a legitimidade democrática destas entidades, já
que há muitos que defendem que tantos e tão vastos poderes não são compatíveis
numa sociedade democrática com uma tão grande dose de independência, como aquela
que os reguladores desfrutam atualmente. O futuro nos dirá se este modelo, made in USA, é o indicado para o correto
funcionamento dos mercados europeus.